Foto: Igor Lessa
Um quadro em branco, cercado por tons que se misturam em infinitas combinações — nem sempre harmoniosas, mas necessárias para dar forma às nossas histórias. A vida da sargento Idlane Vieira é assim: marcada por coragem, criatividade e reinvenção. Aos 46 anos, a pernambucana encontrou nos pincéis uma forma de eternizar o que viveu e transformar a própria trajetória em arte.
Ainda criança, ela deixou Jaboatão dos Guararapes (PE) com a família em busca de uma vida melhor em Alagoas. Na bagagem, trouxe o sonho de mudar a realidade da casa e a lembrança mais marcante da infância: uma pintura inacabada feita pelo pai na parede da sala.
“Meu pai sempre foi um incentivador da arte. Eu achava aquela pintura belíssima, mesmo inacabada. Tivemos que vender a casa e vir para Alagoas, mas aquele desenho foi o ponto de partida de uma história que me proporcionou outras paisagens, tão lindas quanto aquele mar”, lembra.
Um novo caminho: da sala de aula à farda
Antes de entrar na Polícia Militar, Idlane trilhou outros caminhos. Estudante de Geografia e professora da educação infantil, ela vivia uma rotina cansativa e pouco valorizada. Foi durante um trajeto de ônibus, voltando da UFAL, que recebeu o que chama de “sinal divino” para mudar o rumo da vida.
“Estava cansada e conversava com Deus sobre os rumos da minha vida. Olhei para o chão e encontrei um símbolo da Polícia Militar. Entendi perfeitamente o recado. Guardei aquele desenho na Bíblia e usei como amuleto para passar no concurso e me tornar PM”, conta emocionada.
Hoje, com 20 anos de serviços prestados à corporação, Idlane é lotada no 3º Batalhão de Polícia Militar, em Arapiraca. Ela é a segunda personagem da série de reportagens “Além da Farda”, que mostra policiais que se dedicam à cultura e à arte, revelando um lado pouco conhecido pela sociedade.
Onde missão e inspiração se encontram
Foi no Batalhão Ambiental que Idlane se reconectou com sua paixão pela natureza, um elo direto com o passado e com a arte. Passou sete anos na unidade, eternizando paisagens e animais em quadros e murais.
“Sou apaixonada pelos pássaros e pela mata desde a época da faculdade. Trabalhar no Batalhão Ambiental foi uma reconexão com esse amor que começou lá, com aquela praia desenhada pelo meu pai”, diz a sargento.
Entre as idas e vindas do trabalho, ela usava a pintura como forma de desacelerar. Por muito tempo, deixou suas obras apenas na memória. Agora, quer registrá-las e compartilhá-las, não por lucro, mas para inspirar outras pessoas a explorarem seus talentos.
“Sempre vi a pintura como um hobby. Cheguei a pintar paredes dos quartos de bebês das minhas amigas e criei paisagens aqui em casa. Perdi muitos quadros porque na época as redes sociais nem existiam”, brinca.
Beco da Ló: o nome que carrega afeto
O primeiro passo para oficializar suas criações foi escolher uma assinatura. A inspiração veio de um apelido de infância e de um momento de ternura com o pai.
“Meu pai me chama de Ló desde que eu era pequena. Um dia, me visitando em Arapiraca, ele sentiu a brisa do corredor da casa e disse: ‘Que vento bom nesse beco, né? É o Beco da Ló’. Adotei o nome para minhas pinturas e quero, no futuro, criar uma exposição com esse título.”
Quando a arte vira cura

Em 2021, Idlane recebeu o diagnóstico de câncer de colo do útero. O impacto foi profundo, mas a arte se tornou um abrigo — e uma aliada na recuperação.
“Quando recebi o diagnóstico, meu mundo caiu. Eu me reencontrei com a arte e transformei as aflições em inspiração para continuar lutando e vencer esse desafio”, relata.
Além da doença, Idlane também enfrentou a depressão, e mais uma vez encontrou na pintura um espaço de respiro e libertação.
“A arte é o que me mantém forte. Muitas pessoas escondem seus dons por medo do julgamento. Quantos militares não são ótimos escritores, cantores ou desenhistas? Espero que tenham coragem de mostrar seus talentos e lembrem que os sonhos não envelhecem.”
Ao fim da conversa, a sargento pegou uma das telas e, com traços firmes, desenhou o brasão da Polícia Militar. “Não está perfeito”, disse sorrindo. “Mas é verdadeiro — como a vida.”
*com informações da Ascom PMAL