Foto: Pio Figueiroa/Revista CULT
A ativista alagoana Clara Charf morreu nesta segunda-feira (3), aos 100 anos, em São Paulo. Nascida em Maceió, em 17 de julho de 1925, ela construiu uma trajetória marcada pela defesa da democracia, dos direitos humanos e pela militância das mulheres brasileiras.
Filha de imigrantes judeus que fugiram da perseguição antissemita na Europa, Clara cresceu em uma casa onde a resistência e a busca por justiça eram parte do cotidiano. A infância e juventude foram divididas entre Maceió e Recife, até se mudar para o Rio de Janeiro, onde se aproximou de movimentos de esquerda.
Com apenas 21 anos, Carla se filiou ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), dando início a uma vida de engajamento político. Trabalhou como aeromoça, algo incomum para mulheres com sua formação política, e passou a integrar círculos de militância que se opunham ao regime autoritário.
Militância e resistência
Em 1947, conheceu Carlos Marighella, de quem se tornaria companheira por mais de duas décadas. O casal viveu intensamente o período de perseguições, prisões e censura imposto pela ditadura militar.
Clara foi presa, torturada e obrigada ao exílio após o assassinato de Marighella em 1969. Viveu dez anos em Cuba, onde manteve laços com organizações internacionais de solidariedade e de defesa dos direitos das mulheres na América Latina.

Com a Lei da Anistia, retornou ao Brasil em 1979 e retomou a militância política. Passou a atuar também dentro das instituições, se filiando ao Partido dos Trabalhadores (PT) e se candidatando a deputada estadual em 1982. Mesmo sem ser eleita, sua presença nas instâncias partidárias consolidou um espaço de diálogo entre as pautas históricas da esquerda e as novas demandas feministas que cresciam no país.
Atuação pela causa das mulheres
A defesa dos direitos das mulheres se tornou o eixo central de sua trajetória. Clara foi uma das articuladoras da Associação Mulheres pela Paz, movimento internacional que destaca o papel das mulheres como protagonistas da transformação social e da construção da paz.
Em 2005, coordenou a campanha brasileira que indicou 52 mulheres ao Prêmio Nobel da Paz, dentro da ação global “Mil Mulheres pela Paz”. O gesto simbólico reafirmava o que ela sempre defendeu: a paz não é ausência de guerra, mas a presença da justiça social e da igualdade.
Clara também integrou o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e participou da formulação de políticas públicas voltadas à equidade de gênero. Sua atuação ajudou a consolidar, dentro do próprio movimento feminista, a intersecção entre gênero, classe e poder. Para ela, a luta das mulheres trabalhadoras era parte indissociável da luta por um Brasil mais justo e democrático.
Legado e memória
Mesmo com o avanço da idade, Clara Charf nunca abandonou o ativismo. Seguiu presente em atos públicos, debates e entrevistas, sempre reafirmando a importância de manter viva a memória da resistência. Em suas falas, costumava dizer que a revolução também se faz com afeto, solidariedade e coragem — valores que, para ela, eram tão políticos quanto às palavras de ordem.
100 anos
Aos 100 anos, Clara partiu deixando um legado que ultrapassa a imagem de “viúva de Marighella”. Sua história é a de uma mulher que transformou a dor da perda em energia para seguir lutando.
Clara Charf morreu em São Paulo, cercada de companheiros, amigos e admiradores. Viveu um século de história e resistência e cada gesto seu permanece como exemplo de compromisso com o Brasil, com a democracia e com as mulheres que ainda hoje marcham por seus direitos.