O Conselho Universitário (Consuni) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) aprovou, por unanimidade, nesta terça-feira (4), a criação de uma política de cotas para pessoas transexuais nos cursos de graduação. A medida começa a valer a partir do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) de 2026.
A decisão é considerada um marco na história da instituição e no avanço das ações afirmativas em Alagoas. Para colocar a política em prática, o Consuni criou uma comissão coordenada pela Pró-reitoria de Graduação (Prograd), responsável por elaborar a Política de Cotas Trans e enviar ao Ministério da Educação (MEC), até o fim de novembro, a documentação necessária para inclusão no Sisu.
Conforme as informações, o grupo será formado por representantes da Pró-reitoria Estudantil (Proest), da Comissão Permanente do Vestibular (Copeve), do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (Neabi) e de membros do próprio Consuni. Além de definir as regras de ingresso, a comissão discutirá estratégias de acolhimento e permanência para estudantes trans na universidade.
Educação como ferramenta de transformação
À Eufêmea, a presidente da Associação Cultural de Travestis e Transexuais de Alagoas (ACTTRANS), Natasha Wonderfull, a medida representa “uma vitória histórica que pode mudar vidas”. Ela destaca que o acesso ao ensino superior é um passo essencial para reparar desigualdades enfrentadas pela população trans, especialmente pelas travestis mais velhas.

“A cota é muito importante para a gente, travesti e transexual. Muitas de nós, principalmente das gerações dos anos 80 e 90, não tiveram acesso à escola e enfrentam até hoje o analfabetismo. Essa política vai abrir um leque de oportunidades, porque a educação muda o ser humano, mas a luta ainda é grande”, afirmou.
Natasha, que foi profissional do sexo por mais de 30 anos e hoje atua como técnica de enfermagem, lembrou que a exclusão educacional e o preconceito ainda marcam a realidade de muitas travestis em Alagoas.
“O Nordeste é um lugar muito transfóbico. A gente ainda tem que lutar por acesso ao mercado de trabalho, por respeito e por sobrevivência. Essa cota é uma chance de mudar esse destino. A faculdade abre portas, dá emprego, dá oportunidade de viver dignamente”, disse.
“Eles não querem ver a gente estudando”
Ela também reforçou a necessidade de vigilância contra fraudes e da capacitação de servidores e professores para garantir um ambiente verdadeiramente acolhedor.
“Tem que ser muito bem avaliado para que ninguém use o nosso nome de forma indevida. E também é preciso preparar os professores, porque não adianta abrir vagas se a universidade não está pronta para atender o público trans com respeito”, destacou.
A presidente da ACTTRANS afirmou ainda que a resistência de setores conservadores mostra a importância da iniciativa.
“Essas pessoas não querem ver a gente estudando. Preferem ver a travesti na rua, se prostituindo, porque assim podem continuar explorando. Quando a gente tem educação, muda tudo — muda a cabeça, muda a vida. Por isso, essa cota é um passo gigante.”
A Ufal já adota cotas para pessoas trans em cursos de pós-graduação desde 2022, conforme a Resolução nº 82/2022 do Consuni, que reserva 10% das vagas em programas de mestrado e doutorado para pessoas trans, além de negros, indígenas, refugiados, assentados e pessoas com deficiência.